quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Prática do xadrez entre detentos auxilia na redução de pena

O Pará é o único estado brasileiro a reduzir pena de detentos do sistema penal por meio de aulas de xadrez. A cada doze horas de estudos da prática esportiva é reduzido um dia da pena. Após a conclusão do curso de formação básica no esporte, os internos podem ainda participar de eventos promovidos ou reconhecidos pelas entidades oficiais representativas do enxadrismo, dentro ou fora do cárcere. A cada dia de competição são remidas doze horas da pena.
O projeto piloto denominado “Prática Desportiva do Jogo de Xadrez como meio de Remissão de Pena” vem sendo desenvolvido pela Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado (SUSIPE) com internos da Colônia Penal Agrícola de Santa Isabel (CPASI).
O projeto começou a ser construído em 2013, quando o professor de Matemática José Wilson Coelho Júnior percebeu as dificuldades dos alunos em aprender a disciplina e decidiu inserir o xadrez como ferramenta suplementar para as aulas dentro do cárcere.
A iniciativa ganhou forças e em 2016 se tornou uma portaria regulamentada pela 2ª Vara de Execução Penal da Região Metropolitana de Belém. As aulas tiveram início este mês e são realizadas três vezes por semana, durante três horas. No total, 20 internos da CPASI estão participando da atividade.
“Se as pessoas que se encontram em liberdade já tem dificuldade em aprender Matemática, imagina os que estão aqui dentro, que passaram muito tempo longe da sala de aula? No começo foi bastante difícil. Com o xadrez conseguimos despertar involuntariamente o aprendizado dos detentos e os benefícios com o esporte só foram crescendo”, avalia o professor José Júnior.
Entre os benefícios do xadrez estão o desenvolvimento cognitivo e do raciocínio lógico, o estímulo ao lúdico, à capacidade de fazer cálculos e à concentração, a melhor compreensão de matérias como Geografia e História na relação com a origem do xadrez, e melhor identificação de figuras geométricas, além dos valores agregados ao esporte, como respeito mútuo, autonomia, tolerância, espírito de competição, sentimento de grupo, entre outros aspectos que contribuem para a reintegração social dos custodiados.
Jhonatan Conceição da Silva sempre foi apaixonado pelo esporte e hoje se sente feliz ao saber que a sua pena será reduzida fazendo o que tanto gosta: jogar. O interno já tem planos para o futuro, mas sem deixar o esporte para trás.
“O xadrez sempre fez parte da minha vida. Eu jogava desde moleque, mas foi aqui que eu aprendi todas as normas, as técnicas, e fico ainda mais feliz por saber que ele vai ajudar a acelerar minha volta pra casa. Mas não pretendo deixar o projeto quando eu sair daqui. Lá fora, vou passar essa ideia adiante, buscar parcerias, quem sabe até inserir em escolas”, divaga o interno.
Cada aluno recebeu um tabuleiro e apostilas para se exercitar. Para o juiz que construiu a tese jurídica do projeto e que também se tornou professor voluntário na iniciativa, Flávio Sánchez Leão, a iniciativa, além de pioneira, pode ser a mudança de vida que os detentos tanto precisam.
“Alguns estados brasileiros já aplicam o ensino do xadrez, como o Espírito Santo, mas nenhum proporciona a redução da pena. Para praticar o xadrez o preso precisa ler várias apostilas, além de fazer cálculos matemáticos e estudar as técnicas do jogo. Eu acredito na força deste esporte, que é democrático e inclusivo”, ressaltou.
Para o detento Luiz Gustavo, os motivos para praticar o esporte vão muito além da remissão da pena ou do aprendizado de algo novo: ele proporciona uma reflexão individual. “Acho que o mais importante é que o xadrez nos leva a pensar melhor não apenas de maneira lógica, mas em todos os sentidos. Foi assim comigo. Depois que comecei a praticar passei a refletir sobre uma série de coisas, como as minhas decisões erradas. O que me trouxe aqui foi pura imprudência, então o que estou aprendendo agora pode me ajudar a mudar a minha vida”, afirmou.
Ao final do semestre uma comissão avaliadora irá analisar quesitos como desempenho e comportamento para, assim, conceder ao participante o certificado de conclusão de curso. “O xadrez contribui também para a atenção e a disciplina, desenvolve habilidades como perseverança, capacidade de estudo e de autoconhecimento, que fazem parte da construção do indivíduo. Assim, ele se torna uma peça importante por facilitar esse caminho e contribuir para o êxito nos estudos e alcançar um melhor nível de escolaridade dentro do cárcere”, pontuou a coordenadora de Educação Prisional da Susipe, Aline Mesquita.
Competição que estimula a mudança
Ao final do curso será realizado um torneio que classificará os três melhores detentos para o II Torneio Aberto do Brasil do Clube de Xadrez da Cidade Velha, que será realizado nos dias 7, 8 e 9 de julho, em Belém. A competição reunirá enxadristas profissionais e amadores, além de competidores internacionais.
Poder participar do torneio, jogar com outros atletas e concorrer a prêmios é um estímulo a mais para o estudo e o exercício da prática esportiva, como revela Lucas Rodrigues da Silva. “Eu estou conhecendo as regras, praticando todo dia e já aprendi muita coisa, mas ainda dou uns vacilos. Até lá espero estar preparado o suficiente para competir”, finalizou.
Por Timoteo Lopes

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